Paulo
Freire - O mentor da educação para a consciência
O mais célebre educador
brasileiro, autor da pedagogia do oprimido, defendia como objetivo da escola
ensinar o aluno a "ler o mundo" para poder transformá-lo
Márcio Ferrari (Márcio Ferrari)
Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre
educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido
principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, ele
desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para Freire, o
objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa, em relação
às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de
oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro de Freire se
intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam
boa parte do conjunto de sua obra.
Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse
desenvolver a criticidade dos alunos, Freire condenava o ensino oferecido pela
ampla maioria das escolas (isto é, as "escolas burguesas"), que ele
qualificou de educação bancária. Nela, segundo Freire, o professor age como
quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras
palavras, o saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores.
Trata-se, para Freire, de uma escola alienante, mas não menos ideologizada do
que a que ele propunha para despertar a consciência dos oprimidos. "Sua
tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito
investigador, a criatividade", escreveu o educador. Ele dizia que,
enquanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a
educação que defendia tinha a intenção de inquietá-los.
Biografia
Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife, numa família
de classe média. Com o agravamento da crise econômica mundial iniciada em 1929
e a morte de seu pai, quando tinha 13 anos, Freire passou a enfrentar
dificuldades econômicas. Formou-se em direito, mas não seguiu carreira,
encaminhando a vida profissional para o magistério. Suas idéias pedagógicas se
formaram da observação da cultura dos alunos – em particular o uso da linguagem
– e do papel elitista da escola. Em 1963, em Angicos (RN), chefiou um programa
que alfabetizou 300 pessoas em um mês. No ano seguinte, o golpe militar o
surpreendeu em Brasília, onde coordenava o Plano Nacional de Alfabetização do
presidente João Goulart. Freire passou 70 dias na prisão antes de se exilar. Em
1968, no Chile, escreveu seu livro mais conhecido, Pedagogia do Oprimido.
Também deu aulas nos Estados Unidos e na Suíça e organizou planos de
alfabetização em países africanos. Com a anistia, em 1979, voltou ao Brasil,
integrando-se à vida universitária. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e,
entre 1989 e 1991, foi secretário municipal de Educação de São Paulo. Freire
foi casado duas vezes e teve cinco filhos. Foi nomeado doutor honoris causa de
28 universidades em vários países e teve obras traduzidas em mais de 20
idiomas. Morreu em 1997, de enfarte.
Aprendizado conjunto
Freire criticava a idéia de que ensinar é
transmitir saber porque para ele a missão do professor era possibilitar a
criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de
que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o
auto-aprendizado. Freire previa para o professor um papel diretivo e
informativo – portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade. Segundo o
pensador pernambucano, o profissional de educação deve levar os alunos a
conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire dizia que ninguém
ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas. "Os
homens se educam entre si mediados pelo mundo", escreveu. Isso implica um
princípio fundamental para Freire: o de que o aluno, alfabetizado ou não, chega
à escola levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a do professor.
Em sala de aula, os dois lados aprenderão juntos, um com o outro – e para isso
é necessário que as relações sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos
a possibilidade de se expressar. "Uma das grandes inovações da pedagogia
freireana é considerar que o sujeito da criação cultural não é individual, mas
coletivo", diz José Eustáquio Romão, diretor do Instituto Paulo Freire, em
São Paulo.
O ambiente político-cultural em que Paulo Freire
elaborou suas idéias e começou a experimentá-las na prática foi o mesmo que formou
outros intelectuais de primeira linha, como o economista Celso Furtado e o
antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997). Todos eles despertaram intelectualmente
para o Brasil no período iniciado pela revolução de 1930 e terminado com o
golpe militar de 1964. A primeira data marca a retirada de cena da oligarquia
cafeeira e a segunda, uma reação de força às contradições criadas por conflitos
de interesses entre grandes grupos da sociedade. Durante esse intervalo de três
décadas ocorreu uma mobilização inédita dos chamados setores populares, com o
apoio engajado da maior parte da intelectualidade brasileira. Especialmente
importante nesse processo foi a ação de grupos da Igreja Católica, uma
inspiração que já marcara Freire desde casa (por influência da mãe). O Plano
Nacional de Alfabetização do governo João Goulart, assumido pelo educador, se
inseria no projeto populista do presidente e encontrava no Nordeste – onde
metade da população de 30 milhões era analfabeta – um cenário de organização
social crescente, exemplificado pela atuação das Ligas Camponesas em favor da
reforma agrária. No exílio e, depois, de volta ao Brasil, Freire faria uma
reflexão crítica sobre o período, tentando incorporá-la a sua teoria
pedagógica.
A valorização da cultura do aluno é a chave para o
processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu
método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos.
Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-chave
do vocabulário dos alunos – as chamadas palavras geradoras. Elas devem sugerir
situações de vida comuns e significativas para os integrantes da comunidade em
que se atua, como por exemplo "tijolo" para os operários da
construção civil.
Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. "Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas lingüísticas do idioma materno", diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.
Seres inacabados
Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. "Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas lingüísticas do idioma materno", diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.
Seres inacabados
O método Paulo Freire não visa apenas tornar mais
rápido e acessível o aprendizado, mas pretende habilitar o aluno a "ler o
mundo", na expressão famosa do educador. "Trata-se de aprender a ler
a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade
(transformá-la)", dizia Freire. A alfabetização é, para o educador, um modo
de os desfavorecidos romperem o que chamou de "cultura do silêncio" e
transformar a realidade, "como sujeitos da própria história".
Três etapas rumo à conscientização
Embora o trabalho de alfabetização de adultos
desenvolvido por Paulo Freire tenha passado para a história como um
"método", a palavra não é a mais adequada para definir o trabalho do
educador, cuja obra se caracteriza mais por uma reflexão sobre o significado da
educação. "Toda a obra de Paulo Freire é uma concepção de educação
embutida numa concepção de mundo", diz José Eustáquio Romão. Mesmo assim,
distinguem-se na teoria do educador pernambucano três momentos claros de
aprendizagem. O primeiro é aquele em que o educador se inteira daquilo que o
aluno conhece, não apenas para poder avançar no ensino de conteúdos mas
principalmente para trazer a cultura do educando para dentro da sala de aula. O
segundo momento é o de exploração das questões relativas aos temas em discussão
– o que permite que o aluno construa o caminho do senso comum para uma visão
crítica da realidade. Finalmente, volta-se do abstrato para o concreto, na
chamada etapa de problematização: o conteúdo em questão apresenta-se
"dissecado", o que deve sugerir ações para superar impasses. Para
Paulo Freire, esse procedimento serve ao objetivo final do ensino, que é a
conscientização do aluno.
No conjunto do pensamento de Paulo Freire
encontra-se a idéia de que tudo está em permanente transformação e interação.
Por isso, não há futuro a priori, como ele gostava de repetir no fim da vida,
como crítica aos intelectuais de esquerda que consideravam a emancipação das
classes desfavorecidas como uma inevitabilidade histórica. Esse ponto de vista
implica a concepção do ser humano como "histórico e inacabado" e
conseqüentemente sempre pronto a aprender. No caso particular dos professores,
isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e permanente. Freire dizia,
numa frase famosa, que "o mundo não é, o mundo está sendo".
Para pensar
Um conceito a que Paulo Freire deu a máxima
importância, e que nem sempre é abordado pelos teóricos, é o de coerência. Para
ele, não é possível adotar diretrizes pedagógicas de modo conseqüente sem que
elas orientem a prática, até em seus aspectos mais corriqueiros. "As
qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para
diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos", escreveu o educador.
"Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do
educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com minha arrogância?"
Você, professor, tem a preocupação de agir na escola de acordo com os
princípios em que acredita? E costuma analisar as próprias atitudes sob esse
ponto de vista?
Nenhum comentário:
Postar um comentário